coração

domingo, 2 de julho de 2017

CARTA PARA ARTHUR.


CARTA PARA ARTHUR

Querido Arthur, 

"Soube ontem, 01, pelos meios de comunicação, da tragédia que se abateu sobre sua vida, ainda prematura, e sobre seu corpo, ainda em gestação. A violência com que te trataram corou minha face de vergonha e o meu coração se contraiu de dor e de tristeza. Sua missão não foi fácil; ela nos evidenciou, como se ainda fosse preciso, nossa realidade mais dura e nefasta: estamos nos implodindo enquanto humanidade. Perdemos a direção e erramos feio o alvo. Somos todos cúmplices de um pecado que se tornou social e, por isso, de todos nós. Erram os políticos que não vivem a vocação a que foram destinados; erram os poderes constituídos por que corrompidos e corruptores, e erramos nós, Igreja, que nos preocupamos mais com o céu do que com a terra e suas realidades diversas. O mundo tem se tornado um lugar altamente perigoso para se viver. Feriram o seu mundo envolto pela placenta, o lugar mais seguro e sagrado, onde a vida se inicia e onde é tão incrível desenvolver-se. Ali, acreditávamos, estaríamos seguros de tudo e de todos. Afinal, o útero é o santuário da vida. Lugar em que até mesmo Deus quis se esconder para se tornar aquilo que ainda não somos: ser humano.

Arthur,

Hoje, rezei por você e sua saúde. Aproveitei e rezei por seus pais e por todas as famílias sofridas e vítimas da imbecilidade humana. Talvez tivéssemos que lhe pedir perdão. Infelizmente, não temos conseguido cuidar uns dos outros, e isso é um pecado terrível. Você sofreu a dura consequência dos caminhos equivocados que o homem atual tem escolhido. A criminalidade é grande, a violência assusta e os interesses são escusos. Eu me pergunto todos os dias: para onde estamos indo? Será o nosso fim? Ao pensar em você e rezar por sua vida, eu me dei conta de que na Bíblia, quando havia um pecado escarlate, explícito e que acometia a todos, os profetas e todos aqueles que optavam pela conversão, rasgavam as vestes e se cobriam de cinzas, sinal notório de arrependimento e abertura do próprio coração.

Hoje, ao celebrar a Missa, sacrifício do Cristo, eu também tive essa vontade. Deu um certo desespero constatar que estamos maus, que já não sabemos sequer para onde estamos caminhando. O pecado brada os céus. As opções estão equivocadas e a busca pelos próprios interesses entorpeceu o homem com o veneno da indiferença, da insensibilidade e da vida mesquinha e egoísta. O amor ao dinheiro está na raiz dessas opções. E esse é o nosso pior pecado. O bandido, o traficante, o político corrupto, o cidadão omisso, as instituições apátridas da terra e os poderes sanguinários têm culpa maior. Mas, no fim, somos todos culpados. Perdão, Arthur. A vontade de rasgar as vestes e nos cobrir de cinzas há de nos acompanhar por longos dias.

Por fim, para macerar ainda mais meu interior, o Espírito me recordou o óbvio da fé: "tudo o que fizestes a um destes meus pequeninos, a mim o fizestes" (Mt 25, 35), e, "Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus" (Mt 19, 14). Então a conclusão não poderia ser outra, Arthur: atingimos Deus frontalmente. Sua santidade foi alvejada. No seu corpo franzino e que ainda inspira tantos cuidados, Jesus está também paraplégico. Os céus hoje estão da cor mais doída que poderia existir. Não é alva nem branca, é vermelha da cor do sangue dos muitos inocentes que insistimos em não ver".

Perdão, Senhor... Perdão, Arthur.

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Pe. Claudemar Silva
www.padreclaudemarsilva.com

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